ESTÁVAMOS EM 2004 – Outubro mais concretamente. Na sequência de (mais) um comentário televisivo de Marcelo Rebelo de Sousa, Rui Gomes da Silva, então ministro do governo liderado por Pedro Santana Lopes, questiona a ausência de contraditório nas “orações dominicais” do irrequieto professor e que eram um permanente foco de ataques continuados ao governo PSD/CDS. Afirmou então Gomes da Silva: “Na Europa (…) não há país algum com uma pessoa a perorar 45 minutos sobre política, sem ser sujeita ao contraditório(…)“. Devem estar lembrados que então caiu o carmo e a trindade, com disparatadas acusações ao governo de Santana Lopes em querer impor a censura e outros dislates do género, como por exemplo Jorge Sampaio, então Presidente da República, receber em pleno palácio de Belém, em jeito de desagravo público, o próprio Marcelo Rebelo de Sousa.
Lendo agora a biografia do professor, da autoria de Vítor Matos, observo que três anos antes – em 2001 – também em Outubro e igualmente no seu espaço de comentário televisivo, Marcelo tinha criticado violentamente a iminente promulgação pelo Presidente da República da Lei de Programação Militar, considerando-a “uma palhaçada“. E que o Presidente da República – no caso o mesmo de 2004, ou seja Sampaio – não se coibiu de afirmar a propósito o seguinte: “O Presidente da República não faz tempo de antena aos domingos na televisão, durante meia hora, sem ninguém o interromper(…)“. Alguém me consegue explicar onde está a diferença e porque é que as palavras de Gomes da Silva foram interpretadas de uma maneira e as de Sampaio de outra, quando no fundo quiseram dizer exactamente a mesma coisa? Será porque um é considerado de “direita” e o outro de “esquerda”?
«O caso Marcelo marca o irromper do processo de queda do Governo. Não tanto o caso em si, mas o movimento que se gerou à sua volta, com a atribuição ao Governo da responsabilidade da (auto)demissão do comentador. Marcelo Rebelo de Sousa foi habilidoso. Muitos sabiam que o modelo dos seus comentários na TVI se esgotara e que Miguel Paes do Amaral, administrador da TVI e cunhado do comentarista, tinha disso noção. Atento e conhecedor destas matérias, Francisco Pinto Balsemão declarava numa entrevista ao Correio da Manhã, em Setembro, duas semanas antes do início do caso: «Marcelo tem uma grande sensibilidade e sabe que a sua coluna se está a esgotar e está para sair muito em breve.» Este era o ponto: Marcelo estava para sair e, talvez por isso, tivéssemos sido inábeis ao divulgar a nossa revolta. Mas não fomos injustos. A verdade é que, quando Rui Gomes da Silva se limita a protestar, indignado, contra as críticas ofensivas de Marcelo Rebelo de Sousa, este aproveita e sai. Por cima.»
«O Governo tinha, pois, que trabalhar neste ambiente. Quais eram os problemas do País? Teria havido uma greve geral? Problemas com a GNR no Iraque? Perdas na negociação dos fundos estruturais em Bruxelas? Teria aumentado a criminalidade? A dívida pública estaria descontrolada? Nada disso: o Presidente da República tinha feito o discurso do 5 de Outubro e Marcelo Rebelo de Sousa tinha-se demitido da Media Capital. E o Presidente tinha-o chamado a Belém. Essas eram as razões da crise. Quem olhar com olhos de ver para esta situação, sente toda a tensão em torno do «vazio» discurso presidencial sobre a «ausência» de reformas e a demissão do comentarista porque alegadamente obedeceu às palavras de Rui Gomes da Silva. Mas não vê um problema de governação. Não havia.»
Pedro Santana Lopes, Percepções e Realidade (Novembro 2006)
Mas o tempo é Mestre e o “o azeite vem sempre ao de cima”…
«Nunca apressar-se nem ser presa de paixões, eis a marca de um coração amplo e abnegado. […] É necessário atravessar a vasta carreira do tempo para chegar ao centro da ocasião oportuna. […] A própria fortuna reserva o galardão para os que têm a paciência de a aguardar.»
Gracián, Arte da prudência
É sempre oportuno quando a intenção é a descoberta da verdade. Bem apanhado.
Amigo ZPF
A diferença é que um, Gomes da Silva, é um Senhor, e o outro é simplesmente um homenzinho.
Eles não têm culpa, já dizia a minha avó, é assim e ponto.
Ora num País repleto de homenzinhos e muito poucos Senhores dá-se sempre mais ouvidos e interesse aos sem classe nem ética.
Não penso ser defeito de Esquerda ou Direita, o problema é que os Senhores inclinam-se mais para o saber estar e fazer o que na Esquerda nunca se encontrou……
Um dia numa entrevista ao treinador do Real Madrid, o mesmo disse que os filhos tinham que entender que eram iguais aos que não eram da sua classe social…Ainda bem que ele teve o bom senso de não dizer qual era……………. Capisce?