DEIXEMO-NOS DE hipocrisias: qualquer estação de televisão, jornal ou rádio gostaria de ser escolhido por José Sócrates para dar a sua primeira entrevista após ter deixado de estar preso preventivamente durante quase um ano – uns porque considerariam que isso teria interesse jornalístico, outros, admito, porventura apenas por uma questão de audiência. Mas o certo é que, repito, ninguém rejeitaria uma oportunidade dessas.
A TVI ganhou a “corrida”. Nada que surpreenda, para mais sabendo-se da relação de amizade entre o antigo primeiro-ministro e Sérgio Figueiredo, o actual director da estação que nunca escondeu esse facto, chegando mesmo a apregoar essa mesma relação num artigo publicado no “Diário de Notícias” há uns meses atrás. Por estranho que possa parecer (se calhar por ser mais ingénuo do que penso ser…), esse facto dava-me garantias que a entrevista profusamente promovida e anunciada pela TVI a Sócrates seria conduzida com redobrado profissionalismo, com um apurado sentido ético e com uma óbvia e mais do que natural preocupação em questionar o antigo primeiro-ministro sobre as inúmeras acusações e indícios que, ao longo de um ano, têm pesado sobre ele.
Ontem, ao fim de mais de uma hora em que uma pretensa entrevista a alguém que é suspeito de cometer os crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais se transformou numa suposta aula de de direito processual penal ministrada por um arguido, percebi que não era assim, que toda a expectativa que tinha acumulado relativamente à presença de Sócrates nos estúdios de Queluz de Baixo tinha-se pura e simplesmente convertido numa enorme desilusão. Não por Sócrates, que mais não fez que o seu “papel”, mas sim pelo indivíduo que estava sentado à mesa com ele e que, durante mais de uma hora, se demitiu do papel que lhe cabia, preferindo curvar-se atento, venerando e solícito à passagem do seu convidado, fugindo de o confrontar, de o interromper, de causar-lhe o mínimo embaraço que fosse.
Como se não chegasse o papel a que se prestou esse mesmo senhor, o tal que se sentou ontem à noite à mesa do estúdio com José Sócrates, hoje foi a vez do seu director num texto oportunamente publicado no jornal onde um outro amigo (e advogado) do antigo primeiro-ministro é presidente do conselho de administração, vir confirmar as mais que naturais suspeitas que ontem ficaram patentes. Segundo se depreende do que o referido Figueiredo escreve, esta “entrevista” (peço desculpa pelas aspas, mas não resisto…) teve lugar porque o “entrevistado” (lá voltam as aspas…) concordou com as perguntas que foram antecipadamente negociadas. Se dúvidas existissem, bastava ler o que o director da TVI escreveu hoje preto no branco no seu texto no “DN”: “(…) já tinha desistido uma vez, há uns meses, recusou uma entrevista combinada quando ainda estava preso em Évora, por não concordar com as perguntas que a TVI lhe fazia“.
Não resisto a socorrer-me das palavras do mesmo Figueiredo para rematar este breve texto e onde, num “tu cá tu lá” revelador da promiscuidade que tomou conta de um certo “jornalismo” que por cá se pratica, o director da TVI aproveita para elogiar os seus dois amigalhaços: “(…) Zé questiona, Zé responde. Zé pergunta, Zé reage. As pessoas estão chocadas“. Pois estão. E de que maneira, Sérgio Figueiredo…