A ELEIÇÃO que José Sócrates fez da casa da ex-mulher para permanecer em “prisão domiciliária” diz muito do carácter e da personalidade do antigo primeiro-ministro. Alvo de mil e uma suspeições, investigado pelos crimes de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, com uma série de histórias e episódios que uns garantem a pés-juntos serem falsos e outros asseveram como verdadeiros, Sócrates deveria ter tido o bom senso de não dar azo a mais especulações ao escolher o local onde aguardará a conclusão e posterior acusação (ou não) do inquérito judicial em que é protagonista. Podia ser discreto e ter optado por escolher uma casa onde não existissem quaisquer “rabos de palha”, ou seja empréstimos ou hipotecas cruzadas e, muito menos, fachadas simples e modestas a encobrir, para não dizer esconder lá atrás, no logradouro, casas com um nível e conforto bastante superior ao que se vê a olho nu. Podia, por exemplo, seguir o exemplo do seu amigo Paulo Portas que, fazendo frente a suspeições e boatos que há muito correm sobre algumas das suas decisões como governante, optou pelo aluguer de uma discreta casa em Caxias e da qual, pese algumas “investigações” jornalísticas, nada transpareceu de menos claro…
Mas não, isso para Sócrates é claramente deitar a toalha ao chão. Sócrates tem uma irresistível atração pelo conflito, “pela-se” por uma querela, por um bate-boca, por vitimar-se umas vezes, outras fazer o papel de verdugo – está visto, está-lhe no sangue, é certamente superior a ele. Um psicanalista, um psiquiatra, alguém que faça da vida a análise do comportamento e da personalidade dos outros saberá, melhor do que eu, classificar essa “mania”, essa irresistível tendência pelo conflito que Sócrates tem mostrado ao longo da vida. E perceber porquê, quando tem de optar por um comportamento low profile ou uma postura que lhe valha mais umas manchetes e mais uns títulos e fotografias desagradáveis, opta pela segunda das alternativas. Está-lhe no sangue, é superior a ele. Só assim eu consigo compreender a opção pelo número 33 da Rua Abade Faria que afinal, segundo li e vi, parece ser bastante mais que aquela fachada meia-deprimente que caracteriza uma certa Lisboa cinzenta e pequeno-burguesa…