José Paulo Fafe

Ruy Castro e uma notícia do outro mundo


O ESCRITOR brasileiro Ruy Castro é para mim alguém a quem eu nunca li algo que não gostasse. Desde as suas notáveis biografias às suas crónicas (quase) diárias na “Folha”, passando pelo extraordinário “Carnaval de Fogo” (uma obra-prima do “carioquismo”) ou pelo, por exemplo, ‘”O Leitor Apaixonado”, onde escreve sobre livros, tudo quanto Castro escreve é cativante, brilhante, viciante até… Hoje, na sua curta crónica na “Folha”, Ruy Castro fala-nos da acção judicial que Woody Allen é alvo por parte de William Faulkner. De quem? Desse mesmo, de William Faulkner! Aqui fica, o que eu chamo uma  verdadeira notícia do outro mundo e pela pena de quem escreve como ninguém:
Do além-túmulo, William Faulkner (1897-1962) processa Woody Allen! Segundo o noticiário, a agência Faulkner Literary Rights, que controla os direitos do autor de “Luz de Agosto” e “O Som e a Fúria”, está processando Woody pelo uso não autorizado de uma frase do romance “Réquiem para uma Freira”, de 1950, em seu filme “Meia-Noite em Paris”, de 2011. Qual será a próxima? Gertrude Stein processando Charlie Sheen? Oswald de Andrade processando Marcelo Madureira? Todos se lembram da história do filme: um escritor (Owen Wilson) viaja no tempo para a mágica Paris dos anos 1920 e fica amigo de Hemingway, Fitzgerald, Picasso, Salvador Dali e Cole Porter, figurinhas fáceis da cidade naquela época. O enredo é um show de referências literárias. A folhas tantas, o protagonista comenta: “O passado não está morto. Aliás, nem sequer passou. Sabe quem disse isso? O Faulkner. Ele tem razão. Conheci-o outro dia num jantar”. A frase foi usada num contexto simpático e serve para que nos lembremos de Faulkner, num filme em que os demais bambambãs aparecem fisicamente, interpretados por atores muito parecidos com os próprios. Os agentes deveriam ser gratos a Woody por isso -mesmo porque não consta que Faulkner, endeusado até os anos 70, esteja com seu prestígio póstumo em alta. Ao contrário, já foi amplamente ultrapassado por Fitzgerald em matéria de interesse acadêmico. A citação de uma frase num filme delicioso gera um processo contra um diretor reconhecido e estimado. Em vista disso, imagino o chumbo grosso que os agentes de Faulkner devem assestar contra os piratas da internet, que “disponibilizam” livros inteiros do escritor para ser baixados de graça e sem autorização. Chumbo grosso, que nada. Contra esses piratas, mesmo os tiros de canhão equivalem aos de uma espingardinha de rolha.

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  • Realmente também o que li de Ruy Castro tem sido sempre delicioso. Lembro-me particularmente do Leitor Apaixonado que comprei na livraria do aeroporto de Curitiba e só larguei, já lido, a meio do voo transatlântico. A ele devo, por exemplo, a descoberta de Rodolfo Walsh, ou curiosidade que me impeliu à leitura posterior do Balso Snell, de West.

    Mas destas coisas dos direitos autorais, anda ele bem escaldado depois das camisas de onze varas em que andou metido aquando da biografia de Garrincha.

    Uma parvoíce destas é de molde a uma crónica assim por parte de quem amargou coisas do género.

    Sempre bom vir aqui, onde sempre algo de interessante se partilha. Obrigado pela partilha da crónica.

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