José Paulo Fafe

O último guerrilheiro

MORREU ONTEM aquele que era o “último guerrilheiro” no poder de uma ex-colónia portuguesa. Manhoso, arguto, desconfiado, “mula”, João Bernardo “Nino” Vieira foi assassinado na sequência de uma interminável luta pelo poder num país hoje à beira de se desintegrar e, em consequência dos graves conflitos étnicos, ser “anexado” pelos seus principais vizinhos – o Senegal e a Guiné-Conakry.
Conheci Nino Vieira durante o seu exílio em Portugal, mais concretamente na véspera das eleições legislativas de 2004, quando tentei que a facção que ele “controlava” no PAIGC e que era liderada por Aristides Gomes se “sentasse á mesa” com a coligação “Plataforma Unida”, liderada por Hélder Vaz. Eram porventura os sectores políticos mais “pró-portugueses” e o nosso País só tinha a lucrar se ambos se entendessem antes das eleições e Nino era essencial para esse propósito. E diga-se de passagem, isso só não aconteceu porque um conselheiro da embaixada de Portugal em Bissau que se tinha oferecido como “discreto anfitrião” dessa reunião, porventura por perceber a certa altura que desse encontro poderia resultar algum prejuízo nas suas “negociatas” de caju que mantinha com destacados diriigentes da outra linha do PAIGC, resolveu contar a meio-mundo que ia reunir, à mesa, Aristides Gomes e Hélder Vaz. Resultado? Furioso pela indiscrição do funcionário português, Aristides não compareceu e, a partir daí, furtou-se a qualquer contacto…
Bom, mas voltando a Nino Vieira e embora não valha a pena, como se diz, “chorar sobre leite derramado”, este desenlace era mais do que previsível, desde que Nino regressou a Bissau e viu-se “obrigado” a aceitar como chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas ao general de origem balanta Tagmé Na Waie e que, na presença do próprio Nino, tinha sido torturado em meados da década de 90 e a quem, segundo se contava em Bissau, o próprio presidente teria esmagado os testículos numa gaveta… Apesar dos abraços públicos, dos sorrisos para os fotógrafos, os dois homens odiavam-se e estava escrito que, mais tarde ou mais cedo, iriam-se confrontar.´
Na Waie foi o primeiro a ser assasinado, vítima de um atentado á bomba no seu próprio gabinete, poucas horas antes do assalto à residência de Nino Vieira. Conhecendo este, alguém acredita que o atentado contra o chefe militar pudesse ter sido ordenado pelo próprio Nino e este se mantivesse serenamente na sua casa, como que à espera da retaliação das forças balantas? Impossível! Nino foi assassinado por quem quis afastar de vez estes dois inimigos da cena política guineense e deixar aberto caminho para o controlo político-militar. Não irá ser preciso aguardar pelos resultados de mais uma “comissão de inquérito”, basta estar atento à evolução e ao inevitável “jogo de cadeiras” que terá lugar em Bissau, para percebermos quem de facto matou Nino Vieira…

2 ComentáriosDeixe um comentário

  • Estimado Zé Paulo
    Li com atenção o seu comentário e devo dizer que apesar de verdade,é chocante que ainda e depois de 35 anos,os africanos se andem a matar.
    Prova que não estavam nem de longe preparados para responder ás necessidades desses povos deixados ao Deus-dará nos anos 70.
    É vergonhoso,é escandaloso,mete mesmo nojo,que homens que se dizem tal,vivam os seus Países como se de uma quinta privada se tratasse para seu proveito exclusivo e..e acabam na traseira de um carro sangrando o que tiraram ao povo durante toda a vida……..Alguns há que vão durando mais uns anitos…..

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