NÃO SENDO particularmente um fã de João Pereira Coutinho, não posso deixar de registar e subscrever o texto “Os macacos da vaidade” que este colunista assina hoje na “Folha de S. Paulo” a propósito da repercussão que o já célebre episódio da banana atirada na direcção do jogador Daniel Alves suscitou um pouco por todo o mundo e a forma como foi celeremente aproveitada por muito boa gente que, à conta do que ocorreu no jogo que enfrentou o Villareal ao Barcelona, “cavalgou” de forma oportunista a situação:
“(…)É por isso que aplaudo o atleta Daniel Alves, que, no momento do escanteio, pegou na banana que lhe foi jogada e a comeu com inteligência e naturalidade. O humor ainda é a melhor arma contra o mundo neolítico dos selvagens racistas.
Mas confesso algum desconforto com a febre que o gesto do jogador provocou em todo o mundo, com dezenas de “celebridades” (grotesca categoria) exibindo bananas para as redes sociais e afirmando com orgulho que “todos somos macacos”.
Sobre a frase, nada a dizer: todos somos macacos mesmo, embora eu conheça alguns membros da espécie Homo sapiens que estão uns furos abaixo de alguns símios mais evoluídos. Entre a classe política, isso é verdadeiramente uma epidemia. “Todos somos macacos” pode ser ofensivo para certos macacos.
Mas o que perturba na “macaquice viral” que tomou conta da internet é o que existe de vaidade nela: mostrar a banana e assumir a condição simiesca não é apenas um gesto de solidariedade para com Daniel Alves (o jogador não precisa desse paternalismo e lidou com o insulto na perfeição).
O circo que foi montado em seu redor não passou de um pretexto para que os suspeitos do costume —cantores, atores, “famosos” e candidatos a isso— pudessem mostrar ao mundo o tamanho das respectivas tolerâncias.
Alguns conhecidos meus, aliás, também cederam à tentação da vaidade: fizeram “selfies” com a inevitável banana e depois partilharam o feito glorioso nas redes sociais.
Só para escutarem o aplauso geral que os “bons sentimentos” costumam receber quando exibidos em público.
O mais irônico e o mais hipócrita de alguns desses casos é que eu sei perfeitamente quantos deles jamais veriam com naturalidade o casamento das filhas (brancas) com namorados (negros).
Sem falar do número diminuto dos que tratariam candidatos (negros) a um emprego nas respectivas empresas em posição de igualdade com candidatos (brancos). Mostrar a banana é fácil. Difícil mesmo é mudar a cabeça de abóbora.
Derrotar o racismo não passa por autorretratos narcísicos em que mostramos bananas como certos exibicionistas gostam de mostrar as partes íntimas na calçada.
O racismo derrota-se quando deixamos de criticar relações inter-raciais nas costas dos amantes; ou quando tratamos brancos, negros, pardos ou amarelos com o mesmo respeito daltônico. Cotidianamente. E, sobretudo, anonimamente. Sem fazer propaganda.(…)“