DAQUI A poucas horas, em Havana, o secretario de Estado John Kerry vai hastear a bandeira norte-americana no edifício em pleno Malecón que voltará a albergar a Embaixada dos Estados Unidos na capital cubana, pondo assim fim a um corte de relações entre os dois países que durava há cinquenta e quatro anos. Para quem, como eu, por lá viveu e assistiu, em 1977, aos primeiros passos dados pelo presidente Jimmy Carter na reaproximação entre os dois países, vai ser um momento, além de bonito, que certamente trará alguma emoção. Tal como recordações… Como aquela quando, em Setembro de 1977, já de malas feitas e prontos para partir para deixar de vez Havana, o meu Pai recebeu um telefonema do seu colega suíço Etiene Serra pedindo-lhe para receber antes de partir para o aeroporto o recém-chegado diplomata norte-americano Lyle Franklin Lane, o homem que Carter tinha escolhido para chefiar em Havana a “secção de interesses” que, cubanos e norte-americanos tinham acabado de acordar em abrir em ambas capitais, sob a tutela e bandeiras de países terceiros – no caso da Suíça em Havana e da Checoslováquia em Washington. Lembro-me de ver o mítico Mr. Lane (naqueles dias numa Havana sedenta de bulício e agitação não se falava em outra coisa senão na chegada dos funcionários norte-americanos…), de estatura um pouco para o baixo, óculos de formato quadrado a chegar à residência da nossa embaixada, descer do carro, subir os quatro ou cinco lances de escada ao cimo dos quais meu Pai o aguardava, cumprimentarem-se e fecharem-se mais de uma hora num dos salões. Meio pequeno como era então Havana, ainda por cima no restrito círculo diplomático, não devia ter passado meia-hora e já a notícia corria célere, tal como as tentativas de perceber o que é o recém-chegado americano queria do embaixador português que estava de partida se sucediam, ora por inocentes telefonemas das embaixatrizes a despedirem-se, certamente a mando dos maridos, pela enésima vez de minha Mãe, ora por repetidas passagens a pisar ovos de grande parte da frota automóvel das embaixadas ocidentais acreditadas em Havana pela frente do nosso portão, com especial destaque para o “boca de sapo” do embaixador francês que, em apenas meia-hora, deve ter passado lá à porta pelo menos umas vinte vezes, sempre com o Comte de Favitsky meio-escondido no banco de trás e de olhar prescrutante a tentar tirar nabos da púcara… Tal como o francês, também eu obviamente fiquei sem perceber patavina sobre as razões que tinham levado alguém que ainda não tinha desfeito as malas a querer, à viva força, encontrar-se com outro que as tinha feitas e prontas para entrar no porão do avião. Só há muito pouco tempo, trinta e oito anos depois(!), diga-se de passagem, é que soube os motivos. E que eram tão simples (e curiosos) como estes: antes de abandonar Washington para rumar a Cuba, Mr. Lane tinha recebido pessoalmente instruções de Cyrus Vance (o secretário de Estado de Carter, lembram-se?) para procurar o embaixador português em Havana, porque (muito possivelmente no âmbito da NATO…), o Departamento de Estado teria tido acesso a alguns dos seus relatórios e existiriam algumas teses e opiniões que não coincidiriam com as teses dominantes no número 2201 da C Street NW da capital norte-americana. P.S. – Já agora: em 1977, quando abriu a “secção de interesses” norte-americana em Havana, os cubanos aprestaram-se a colocar um gigantesco outdoor à frente da representação para-diplomático, que era praticamente um “grito de guerra” e de clara provocação. Será que agora, relações diplomáticas restabelecidas, o cartaz vai lá manter-se ou já terá sido (ou vai ser) oportunamente retirado?