José Paulo Fafe

A piolheira

EÇA DE Queiroz terá um dia escrito que Portugal não passava de “um sítio e ainda por cima malfrequentado”. D. Carlos terá ido mesmo mais longe e parece que, em privado, referia-se
habitualmente ao país em que reinava como “a piolheira”. Em pleno século XXI, lendo e ouvindo as notícias, ainda não percebi se vivo numa tragédia ou numa anedota, que é como quem diz não sei se deva chorar ou rir com as alarvidades com que somos quotidianamente brindados, a maior parte dasvezes por quem, pela projecção mediática que possui, teria o óbvio dever de te alguma vergonha na cara ou, no mínimo, pensar duas vezes antes de abrir a boca… Veja-se por exemplo o caso da dra. Ana Gomes, candidata à presidência da Câmara Municipal de Sintra e que quando confrontada com as novas “regras de jogo” impostas pelo seu líder partidário no fim-de-semana passado e pelas quais, a partir de agora, será incompatível ser simultaneamente candidato a deputado e a uma autarquia, a recém-eleita euro-deputada veio, presurosa e ofegante – “abichado” que está o assento em Bruxelas para os próximos cinco anos… – abanar afirmativamente a cabeça num gesto de inconcebível e degradante vassalagem que, no mínimo, terá causado algumarepulsa junto de quem agora quer servir bajuladoramente e a quem, ainda há três ou quatro meses, desconsiderava de forma ostensiva.
Ou atentemos no sr. José Saramago, sempre lesto a dar opiniões sobre tudo e mais alguma coisasem que ninguém lhe peça e que vá lá saber-se se por receio de ver alguém ultrapassá-lo em número de exemplares vendidos, apressou-se a vir a terreiro comentar uma entrevista de um seu colega que, jeito de desabafo, terá comentado a sua vontade em radicar-se no Brasil. “Por mim até podia ir para Marte!”, lançou desde as paisagens lunares de Tenerife o cada vez mais insuportável Saramago, sempre mostrando ter-se a si próprio em muito boa conta e que ainda não percebeu (coitado…) que o que vai escrevendo ou ditando à D. Pilar já pouco ou nada nos interessa.
Mas as alarvidades não se resumem à política ou às tradicionais invejas que sempre grassaram nonosso meio literário. Leiam-se as declarações de um tal Élio Vicente, biólogo que um jornal diário confrontou há dias acerca do avistamento de um tubarão a menos de 300 metros da praia de Santa Cruz e que não arranjou melhor conselho que dar aos banhistas do que este: “Desfrutem, tirem fotografias e aproveitem porque estão perante um acontecimento raro”. Nada que surpreenda a quem tenha escutado o comandante da capitania de Peniche que, ao mesmo tempo que considerava “um excesso de zelo” o hastear da bandeira encarnada na sequência do surgimento do tubarão que media dois metros e meio, “tranquilizava” os frequentadores das praias daquela região com uma frase que dificilmente esquecerei: “Se for um tubarão sem dentes não haverá perigo”.
Sabem que mais? Recordando o Rei D. Carlos, vão mas é catar-se!

P.S. – A propósito da dra. Ana Gomes, valha-nos porém a verticalidade e a decência de algunsactores da nosso quotiano. Por exemplo de António Fonseca Ferreira, há onze anos à frente daComissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo e que sem que legalmente a isso fosse obrigado, renunciou ao cargo para candidatar-se à presidência da Câmara Municipal de Palmela. Feitios, dirão uns… Não! Carácter, digo eu.

in “+Cascais”, 10.07.09

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