É TÃO fácil – mas mesmo tão fácil – dizer bem do Fausto. Mas é tão difícil conseguir escrever o que sentimos com a sua ausência. Já dei voltas sobre voltas, escrevi e apaguei, imprimi e rasguei, pensei e vi-me grego para pô-lo preto no branco. Imaginei reduzir esta evocação a um telefonema – ele lá em cima e eu ainda cá por baixo:
“- Está lá?! Faustinho…
– Quem fala?
– É o bem-haja…
– Ó bem-haja… então? Alguma novidade?”
Mas desisti – até porque as novidades não são propriamente as melhores… Tentei optar então por contar como nos conhecemos, em 1979, no pavilhão dos Olivais, no meio de um comício de Mário Soares. Desisti também – até porque pouco ou nenhum interesse teria. Puxei então pela memória e tentei contar quantas vezes o Fausto, fazendo uso daquele seu jeito tão propício ao apaziguamento, tentou moderar alguns ímpetos mais radicais da minha parte, tentando apelar ao meu bom-senso e a fazer-me ver quanto errado é abrir “guerras” em várias frentes. Preferi, também, desistir – nunca mais saíamos daqui. E falar das “partidas” que concebemos juntos, partilhámos, ou que fizemos um ao outro? Se calhar, algum “terceiro” ainda se melindrava… E quando nos chateámos por causa da Académica?! Decididamente, disso já não me lembro, garanto! E das vezes que ele, membro do governo, me ligava poucas horas antes do fecho do jornal e eu, temeroso de não saber dizer-lhe que não (e lá se ia a manchete…), mandava dizer pela secretária que não estava. Um dia disse-lhe: “É pá, ficas a saber que a partir de quarta-feira à tarde não te atendo. Faz de conta que não estou. Depois já sei, não consigo dizer-te que não e lá se vai a capa…”. E ele ria-se, ria-se. Mas deixou de ligar, verdade seja dita. Até um dia, a propósito de uma história que envolvia um ministro do governo a que ele pertencia e uma todo-poderosa secretária ou assessora, um caso que ameaçava abalar governo e famílias… E aí era ele que contava, sorriso matreiro e gozão: “Vocês sabem que o sacana dessa vez atendeu-me?! E sabem o que me disse? ‘Ó Fausto, nem penses… ainda por cima a gaja é boa como o milho e a foto dela na primeira página vai vender que se farta’. Ca ganda sacana!”.
Podia contar daquela vez que, em plena crise no Benfica, quando os paulos sousas, pachecos e joões pintos da vida debandavam porta fora, fomos os dois até ao Estádio da Luz negociar o empréstimo de um jogador à Académica e que, confundidos com algum empresário menos benquisto por aquelas bandas (talvez por irmos de fato e gravata), tivemos de dar às de vila-diogo, antes que a turba de fanáticos adeptos nos chegasse a roupa ao pelo, supondo que lá tínhamos ido para delapidar ainda mais o já enfraquecido plantel encarnado. Ou quando, na primeira página do “Correio da Bahia”, numa visita que o Fausto fez enquanto membro do governo a Salvador, a legenda que ilustrava a fotografia a três colunas me identificava a mim (já de cabelo branco) como secretário de Estado da Administração Pública e a ele (talvez pelas barbas) apenas como chefe de gabinete: “Ai Faustinho, se o Guterres vê isto e com o pó que me tem, ainda és despromovido e acabas como guarda florestal na mata de Arganil…”.
Podia contar tanta, mas tanta coisa. Ainda por cima, todas boas, divertidas e gratificantes. Mas custa-me como o raio, caraças! Tenho tantas saudades dele. O melhor é mesmo acabar o telefonema…
“- Olha lá, sabes que lá te fiz mais um slogan…
– Um slogan? Mas eu aqui em cima não sou candidato a nada. Já bastou aquela do ‘Fausto na Europa, com Coimbra no coração’…
– Não, desta vez foi para o jantar que te fizemos há umas semanas…
– Jantar? Onde?
– Na antiga FIL, foi a Casa da Académica que organizou… mais de duzentas pessoas!
– F…, ó égua! E meteu palavra de ordem e tudo?!
– Claro. Foi tão simples criá-la… ‘Com a saudade do tamanho do teu coração’. A sério, pá!”.
“- Está lá?! Faustinho…
– Quem fala?
– É o bem-haja…
– Ó bem-haja… então? Alguma novidade?”
Mas desisti – até porque as novidades não são propriamente as melhores… Tentei optar então por contar como nos conhecemos, em 1979, no pavilhão dos Olivais, no meio de um comício de Mário Soares. Desisti também – até porque pouco ou nenhum interesse teria. Puxei então pela memória e tentei contar quantas vezes o Fausto, fazendo uso daquele seu jeito tão propício ao apaziguamento, tentou moderar alguns ímpetos mais radicais da minha parte, tentando apelar ao meu bom-senso e a fazer-me ver quanto errado é abrir “guerras” em várias frentes. Preferi, também, desistir – nunca mais saíamos daqui. E falar das “partidas” que concebemos juntos, partilhámos, ou que fizemos um ao outro? Se calhar, algum “terceiro” ainda se melindrava… E quando nos chateámos por causa da Académica?! Decididamente, disso já não me lembro, garanto! E das vezes que ele, membro do governo, me ligava poucas horas antes do fecho do jornal e eu, temeroso de não saber dizer-lhe que não (e lá se ia a manchete…), mandava dizer pela secretária que não estava. Um dia disse-lhe: “É pá, ficas a saber que a partir de quarta-feira à tarde não te atendo. Faz de conta que não estou. Depois já sei, não consigo dizer-te que não e lá se vai a capa…”. E ele ria-se, ria-se. Mas deixou de ligar, verdade seja dita. Até um dia, a propósito de uma história que envolvia um ministro do governo a que ele pertencia e uma todo-poderosa secretária ou assessora, um caso que ameaçava abalar governo e famílias… E aí era ele que contava, sorriso matreiro e gozão: “Vocês sabem que o sacana dessa vez atendeu-me?! E sabem o que me disse? ‘Ó Fausto, nem penses… ainda por cima a gaja é boa como o milho e a foto dela na primeira página vai vender que se farta’. Ca ganda sacana!”.
Podia contar daquela vez que, em plena crise no Benfica, quando os paulos sousas, pachecos e joões pintos da vida debandavam porta fora, fomos os dois até ao Estádio da Luz negociar o empréstimo de um jogador à Académica e que, confundidos com algum empresário menos benquisto por aquelas bandas (talvez por irmos de fato e gravata), tivemos de dar às de vila-diogo, antes que a turba de fanáticos adeptos nos chegasse a roupa ao pelo, supondo que lá tínhamos ido para delapidar ainda mais o já enfraquecido plantel encarnado. Ou quando, na primeira página do “Correio da Bahia”, numa visita que o Fausto fez enquanto membro do governo a Salvador, a legenda que ilustrava a fotografia a três colunas me identificava a mim (já de cabelo branco) como secretário de Estado da Administração Pública e a ele (talvez pelas barbas) apenas como chefe de gabinete: “Ai Faustinho, se o Guterres vê isto e com o pó que me tem, ainda és despromovido e acabas como guarda florestal na mata de Arganil…”.
Podia contar tanta, mas tanta coisa. Ainda por cima, todas boas, divertidas e gratificantes. Mas custa-me como o raio, caraças! Tenho tantas saudades dele. O melhor é mesmo acabar o telefonema…
“- Olha lá, sabes que lá te fiz mais um slogan…
– Um slogan? Mas eu aqui em cima não sou candidato a nada. Já bastou aquela do ‘Fausto na Europa, com Coimbra no coração’…
– Não, desta vez foi para o jantar que te fizemos há umas semanas…
– Jantar? Onde?
– Na antiga FIL, foi a Casa da Académica que organizou… mais de duzentas pessoas!
– F…, ó égua! E meteu palavra de ordem e tudo?!
– Claro. Foi tão simples criá-la… ‘Com a saudade do tamanho do teu coração’. A sério, pá!”.
Nota: Texto a ser incluido num livro, a editar pela Minerva, de homenagem a Fausto Correia.