HÁ POR aí quem tenha ficado muito chocado (ou irritado) por Miguel Sousa Tavares ter hoje afirmado que o Brasil possui “maiores afinidades” com Portugal que qualquer outra antiga colónia – opinião essa inquestionável e que, apesar da pouca estima que me merece o autor, subscrevo em absoluto.
Também hoje li que o novo secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, no decurso da sua primeira viagem a Luanda, teria afirmado alto e bom som que “Angola é o maior amigo de Portugal“. Aqui, curiosamente e até apesar da estima pessoal que me merece Francisco Almeida Leite, acho que teria-lhe sido difícil ser mais infeliz e desastrado…
Vamos então por partes, começando por Sousa Tavares: é óbvio que o Brasil, mais que qualquer outro outro país de expressão oficial portuguesa, é quem maior afinidade possui connosco. E por razões que são mais do que compreensíveis e que basicamente se resumem ao facto da colonização portuguesa ter-se “diluído” ao longo destes quase dois séculos da existência do Brasil como nação livre e independente, pela fortíssima e sólida ligação cultural que existe entre os dois países – isto sem falar das enormes vagas de emigração que ocorreram nos dois sentidos ou da inexistência de traumas e complexos que uma guerra normalmente implica e causa entre colonizador e colonizado. Apenas um ligeiro reparo: a forte afinidade que o Brasil possui connosco só consigo encontrar par em Cabo Verde, ainda que com contornos algo distintos.
Passemos agora a Almeida Leite… Custa-me entender (ia escrever admitir, mas enfim…) que um membro do governo, ainda para mais desempenhando um cargo com óbvias responsabilidades a nível diplomático, possa – por muita intimidade que veja o seu ministro manter com as autoridades deste ou daquele país – proferir uma frase com um “peso” destes: “Angola é o maior amigo de Portugal“. Por vários motivos: o primeiro porque é a última coisa que alguém com as naturais e formais responsabilidades que Almeida Leite possui poderia dizer sobre um outro país, qualquer que ele seja, note-se bem; segundo, porque não fica bem a um representante de um regime inquestionavelmente democrático “eleger” como seu “maior amigo” um país que, pese alguma evolução, não prima propriamente por ser um Estado de Direito; e terceiro porque fez-me inevitavelmente vir à lembrança um qualquer governante guatemalteco ou hondurenho por ocasião de uma visita ao “grande vizinho do Norte” lá pelos anos 60… Angola, à semelhança de outros, pode – e certamente o é – ser um “parceiro privilegiado“, um “país amigo” ou mesmo “país irmão” até, mas nunca poderá ser classificado por um governante como o nosso “maior amigo”. Nem Angola, nem o Brasil, nem Espanha, nem a Grã-Bretanha, nem que país for. Por muito jeito que nos dê afirmá-lo, por muito que queiramos agradar aos nossos anfitriões. Até porque todos sabemos que nem é verdade e também porque – desculpa lá, ó Francisco! -a amizade não se compra…